quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

A Arte e o Poder (ou o poder da Arte)

A partir do momento em que o homem se estabeleceu como sociedade organizada, as manifestações artísticas sempre estiveram vinculadas, de alguma forma, ao sistema vigente. Com o passar do tempo, houveram inúmeras mudanças tanto políticas quanto sociais. Desde que o homem deixou de ser nômade, até a instituição dessa sociedade ocidental, que a partir do período renascentista passa a ser conhecida como moderna, evoluiu gradativamente e a cada mudança a arte refletia tais acontecimentos. Podendo estar aliada, subordinada ou se posicionando contra o poder, ela foi utilizada no decorrer da história como meio propagador de ideias. Essa relação entre arte e governo, será o assunto desta postagem.
Na antiguidade, por exemplo, a arte - seja ela visual, sonora ou cênica - se manifestou de acordo com o pensamento místico característicos de povos como os mesopotâmicos, egípcios e greco-romanos, apesar desses últimos terem iniciado um processo de naturalização da arte. Era prática tradicional a representação visual  dos faraós, líderes do antigo Egito, após sua morte, de forma grandiosa, colocando-os em paridade com os deuses de seu panteão. De maneira parecida, os gregos, assim como os romanos, dedicaram sua produção artística à glória de seus deuses e de seus mitos. Os únicos mortais merecedores de representação visual eram também seus líderes.


Altar de Pérgamo (Arte Helenística)

Imperador Vespasiano (Arte Romana)

Com a queda do Império Romano e consequente ascensão do cristianismo, a arte dominante no ocidente passa a ser direcionada para contar as escrituras sagradas. Mais precisamente com um cunho didático e catequizador, considerando que pouquíssimas pessoas eram alfabetizadas, a representação visual da história sagrada era mais mais rápida e eficiente.


Manuscrito de Bonmont: O sepultamento de Cristo



É interessante notar que a maior parte da arte que chega aos nossos dias é aquela que, de alguma forma, estava ligada ao poder político e/ou financeiro. O mecenato que emerge com força no Renascentismo revela uma classe burguesa faminta de status social. Esse patrocínio dos movimentos culturais por parte de uma sociedade agora laica caracteriza a abertura da arte ocidental para temas que não estavam mais estritamente ligados ao cristianismo.  
Porém, a arte não deixa de ser ligada ao poder, sendo usada ao longo da história como instrumento político. O século XX revela o uso da arte, muito pela revolução nos meios de comunicação, como forma de propaganda e meio de manipulação. Casos podem ser citados, como por exemplo, o realismo socialista empregado na União Soviética do começo do século. Mais próximo a nós é o caso do programa de educação musical empregada por Heitor Villa-Lobos. Com canções de textos ufanistas, buscava apoio ao governo Vargas, para isso exaltando o sentimento nacionalista, projetando a massificação da opinião pública.
O século XX também viu movimentos de rompimento total com a tradição artística. Primeiro com o chamado “Dada” e por volta do meio do século com o grupo Fluxus. É de se destacar o questionamento, sobretudo, da própria arte enquanto fazer humano. Com obras, peças musicais, performances e happenings consideradas absurdas, que chocaram a comunidade artística de suas épocas, inflamando grandes debates no campo conceitual. É importante dizer que grande parte dos artistas ligados a essa arte de vanguarda, que buscavam o rompimento radical com a tradição, eram ligados a universidades. Grande nome dessa arte vanguardista é o americano John Cage.

Imaginary Landscape No 4 (1951) de John Cage, interpretação de 2011

Porém, é de se notar como os questionamentos políticos se deram com as manifestações artísticas populares. Os meios de comunicação (rádio, televisão e hoje a internet) e reprodução do som abriram um vasto campo de trabalho para compositores, instrumentistas, cantores, e também para a crítica política e social. Caso exemplar é o da canção de protesto brasileira da década de 60 e da produção musical de todo o regime ditatorial militar. Era comum a agressão e exílio aos artistas em decorrência de sua postura questionadora face à política de repressão da época.
Com a popularização dos meios de gravação e reprodução de música surgiram novos estilos que se valiam dessa tecnologia. O Rap (rhythm and poetry em inglês) se populariza nos Estados Unidos e chega com força ao Brasil, se tornando meio de expressão legítima da parcela mais carente da sociedade. Os instrumentos eletrônicos são incorporados numa prática criadora, que empresta trechos de outras criações (os samples, amostras) e expõe o texto crítico característico. O rap é a manifestação musical do movimento Hip Hop que encontra sua manifestação visual no grafite, e mesmo no pixo. Característico da região urbana, surge como forma de apropriação de um espaço que, com fins na manutenção do status-quo, cada vez mais parte do princípio do não acesso à cidade por quem não pode pagar por ela. Nesse sentido, é uma resposta incisiva da subversão dos valores tipicamente elitistas do sistema econômico atual, e deve ser tratada como manifestação legítima. A criminalização do pixo reforça ainda mais o caráter subversivo dessa arte.





É emblemático o caso do artista inglês (ou grupo de artistas?) Banksy e suas pixações ácidas:







Também é característico de nosso tempo o compartilhamento de informações em rede. A cibercultura emerge como meio de comunicação praticamente ilimitado, oferecendo possibilidades de divulgação a artistas que encontram na internet o meio mais fácil de compartilhamento de sua arte. Músicos passam agora a disponibilizar suas produções fonográficas gratuitamente na rede, ainda mais considerando aqueles com compromisso social crítico. É, por exemplo, o caso do rapper Criolo.





As redes sociais se tornam também veículo para a crítica de cartunistas comprometidos com questões político-sociais, a chamada arte engajada. Nela, os artistas não vêem apenas um meio de espalhar sua mensagem, mas também revelar suas características estéticas. É o caso, por exemplo, dos cartunistas Carlos Latuff e Vitor Teixeira.


Carlos Latuff

Carlos Latuff

Vitor Teixeira

Vitor Teixeira



As reflexões sobre as manifestações citadas aqui e suas relações com a sociedade mostram que, historicamente, elas fazem parte do agir do humano no mundo, como membro colaborativo e responsável por seus atos. E se analisarmos as obras, percebemos que nem todas estão emolduradas e postas em uma galeria de arte. Ou seja, a arte vista como inalcançável e com título de “dom divino”, deu espaço para uma arte possível a todos. Se essa arte é possível a todos, porque ainda nos preocupamos em definir o que é, e o que não é considerado arte? O que é arte? Um objeto qualquer posto numa galeria, ou a possibilidade do homem modificar algo no espaço? Mesmo que sejamos incapazes de chegar a um consenso sobre tais perguntas, é necessário que entendamos primeiramente, que a arte se modificou à medida que o homem e a sociedade também se modificou. Ela faz parte do que somos e do que seremos e se revela na multiplicidade de suas manifestações.








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