O século XIV marcou o início de um período de mudanças que transformou a sociedade ocidental Europeia em todos os níveis. A economia antes feudal, basicamente formada por clero, nobreza e vassalagem, começa a se modificar com o surgimento de uma nova classe. Os avanços na construção de cidades, primeiramente como interpostos, deu início a um fenômeno de êxodo rural, onde os novos habitantes urbanos passaram a produzir não mais apenas para a subsistência ou para o senhor feudal, mas agora vende seus serviços e obtêm lucro. Essa nova classe se torna conhecida como burguesia. Acontecem também avanços no planejamento dessas cidades, como na burocracia, urbanismo, e saúde pública, uma vez que o conhecimento a cerca de, por exemplo, saneamento básico, produziram problemas como a peste bubônica, que dizimou um terço da população europeia. Há, nesse momento, uma grande preocupação com questões de cunho humanístico que foram deixadas de lado durante a Idade Média. Isso trouxe um novo interesse pelo entendimento do mundo com base na razão, sem se contrapor à fé, mas complementando-a. Esse interesse trouxe uma retomada dos textos greco-romanos, gerando novas interpretações que se adaptassem à realidade da época. Como movimento iniciado nas cidades italianas, esse interesse pelos antigos remetia diretamente aos tempos de glória do império romano - influenciado especialmente pela cultura grega. Foi chamada então de Renascença.
A influência desse movimento cultural foi especialmente percebida nas manifestações artísticas. Precedido pelo movimento gótico, o renascimento marcou uma retomada de padrões estéticos greco-romanos, principalmente na arquitetura e nas artes visuais em geral. O ideal humanístico teve reflexo no estudo não apenas do corpo humano, mas da natureza. Os artistas, pintores e escultores absorveram essas influências e uniram em sua arte a representação da realidade e a busca de harmonia na composição característica do período gótico. Começou com as inovações de Giotto, passando por Masaccio, Donatello, Jan Van Eyck (no norte), Sandro Botticcelli e teve seu auge na chamada Alta Renascença com Leonardo da Vinci e Michelangelo. Esses artistas, que agora assinavam sua obras, eram patrocinados pela nova classe burguesa, que enriquecia e almejava prestígio social. Para isso, os chamados mecenas investiam em obras de arte e disputavam os serviços dos artistas de renome.
A cidade de Florença teve uma participação muito importante nesse período da história da arte, uma vez que possuía o incentivo de importantes mecenas, notavelmente a família Médici. Um dos grandes artistas desse período - entre o século XV e XVI - foi Michelangelo. Pupilo de Domenico Ghirlandaio, absorveu os ensinamentos de seu mestre e construiu uma sólida carreira como pintor e escultor. De temperamento rude e selvagem, era plenamente consciente de seu contexto histórico. Era pelas discussões com o amigo filósofo Agnolo Poliziano - cujos serviços, assim como ele, eram muitas vezes solicitados pelos Médici - que Michelangelo buscava entender a mentalidade antiga, sua cultura e seus temas, utilizando esses conhecimentos a serviço de sua arte.
Michelangelo: Baco
Entre as suas obras mais célebres está a abóbada da Capela Sistina, em Roma, cujas paredes já haviam sido pintadas por artistas como Botticelli, Ghirlandaio e Perugino. Foi a segunda incubência solicitada pelo papa Júlio II, após a frustração do cancelamento da escultura para o túmulo do pontífice - pelo menos por enquanto. O artista tentou se esquivar de todas as maneiras das investidas pela aceitação do encargo, até alegando que era escultor e não pintor, mas acabou cedendo por conta da pressão imposta.
Interior da Capela Sistina
Após uma mudança no projeto inicial, o papa Júlio II e Michelangelo entraram em consenso, dando ao artista a chance de realizar a obra da forma como queria. Os temas e personagens então foram idealizados de forma que completassem e dialogassem teologicamente com as pinturas já existentes nas paredes.
Abóbada da Capela Sistina, afresco pintado entre 1508 e 1512
Foram quatro anos de trabalho até que a obra viesse a público. Vários assistentes foram contratados, muitos deles, assim como Michelangelo, também discípulos de Ghirlandaio. Porém, de repente ele não permitiu que niguém mais se aproximasse, realizando sozinho todas as atividades, da concepção e estudos até a pintura dos afrescos em si.
As representações da abóbada são basicamente estas: nos nove painéis são apresentadas cenas do Gênesis (a criação do mundo, criação do homem, o pecado original e o dilúvio); nos quatro penachos angulares estão a intervenção de Deus em socorro do povo eleito (Davi e Golias, Judite e Holofernes, a serpente de bronze, crucifixo de Amã); nos tronos estão doze videntes que anunciaram a vinda do filho de Deus (cinco sibilas e sete profetas); nos gomos e lunetas são representados antepassados de Cristo.
Segundo o historiador Ernst Gombrich, antes de Michelangelo a representação da criação do homem nunca havia sido pensada daquela forma. Np quadro A Criação de Adão, talvez o mais conhecido detalhe da abóbada, representa Deus atribuindo vida ao homem sem ao menos tocá-lo.
A Criação de Adão, detalhe da abóbada da Capela Sistina
Entre 1533 e 1541 Michelangelo ainda ficaria responsável pelo afresco do Juízo Final na parede do altar da capela.
Juízo Final, parede do altar da Capela Sistina
Apesar de ser atribuído o caráter de gênio a muitos artistas, é preciso entender que, por mais que os mesmos tenham realizado grandes obras e sejam eternizados por isso, não é simplesmente um dom divino que proporcionou suas grandes realizações, como uma antologia crítica pode sugerir. Os artistas do período mencionado começaram a estudar desde muito jovens. Leonardo da Vinci por exemplo, observava e estudava minuciosamente a natureza e tudo o que o cercava para a realização de sua arte.
Portanto, não nos cabe dizer que eles foram melhores ou que nasceram agraciados. Seria mais interessante nos referirmos aos mesmos como grandes artistas, entendendo que viveram em uma outra época, com outra sociedade e que a cultura exerceu influência direta na criação do artista. São produto de um contexto: absorveram o conhecimento de seu tempo, sua sociedade e suas crises, sendo sua obra um reflexo.
Uma visita virtual na Capela Sistina pode ser feita na página oficial do Vaticano neste link.
Referências:
ABRIL. Michelangelo/Coleção Grandes Mestres. São Paulo: Abril, 2011.
CAMPOS, F. MIRANDA, R. G. A escrita da história. 1 ed. São Paulo: Escala Educacional, 2005.
GOMBRICH, E.H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2013.
HISTÓRIA VIVA. O Tempo do Renascimento. São Paulo: Duetto Editorial, v. 1. n. 4, 2009.
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