sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Renascença - do medieval ao moderno

A Idade Média foi caracterizada por uma mentalidade muito particular, onde a Igreja detinha o poder sobre os reis e consequentemente sobre a população. Nesse tipo de sociedade, basicamente teocrática, toda ação humana tinha como fim a glória do Salvador, tudo muito bem controlado pela instituição religiosa/política, uma vez que a leitura teológica das escrituras apontavam para o paradigma de um ecumenismo dominador.
A arte reflete esse pensamento e se concentra em temas basicamente religiosos. Apesar de ter vivido em um período posterior a esse domínio absoluto da Igreja, as obras do pintor Hieronymus Bosch retratam de maneira singular o pensamento e o imaginário do homem medieval. Os contrastes do período são postos em pinturas como o tríptico do Jardim das Delícias Terrenas.



O Jardim das Delícias Terrenas  (Hieronymus Bosch)



Bosch também representou os sete pecados capitais, símbolo do medo das tentações mundanas pregado pela Igreja. Essa obra serviu de base para o espetáculo cênico-musical De Zeven Zonden van Jeroen Bosch do grupo holandês de música antiga Camerata Trajectina, que reconstruiu obras da época e região onde viveu o pintor (danças, lieds e trechos de missas).


Os Sete Pecados (Hieronymus Bosch)



Trailer do espetáculo De Zeven Zonden van Jeroen Bosch do grupo Camerata Trajectina



Esse panorama começa a mudar com uma sucessão de fatos que iriam descentralizar o poder sobre o conhecimento das mãos da Igreja Católica. Entre eles podemos citar a criação de centros de estudos independentes chamados de Universidades. Outro fato que revelou a fragilidade do paradigma dominante foi uma epidemia que assolou a Europa. Com a chamada peste negra ou peste bubônica, ocorre um número enorme de mortes por todo o continente, dizimando um terço da população europeia. Em um período em que a igreja era soberana e que retem todos os conhecimentos inclusive medicinais, uma devastação dessas fez com que a mesma fosse vista de outra forma.
Se só os padres, bispos e afins tinham o “poder” de curar as doenças, como eles não estavam conseguindo frear tal calamidade? Questões como essas começaram a surgir, e fizeram com que a crença no invisível se abalasse, levando a uma decadência da Igreja Católica. Agora, a fé teria que se moldar como a sociedade necessitava. O inatingível deveria se unir a razão. No entanto, como unir fé e conhecimento?
Segundo o escritor e historiador Arnold Hauser, a doutrina apontou para um caminho de síntese dos conhecimentos, onde a religião faria uso do conhecimento para fortalecer a fé. No entanto, essa síntese do “mundo das ideias” com o “mundo sensorial”, causou uma certa dualidade da forma de se pensar e, principalmente, no mundo das artes.
Personagens e temas sacros dividiam espaço com fatos do cotidiano. Essa dualidade é ilustrada na obra de Rogier Van Der Weydwn (A descida da cruz), em que o tema religioso divide o espaço com técnicas avançadíssimas de representação da realidade (perspectiva) e com elementos do mundo natural (a representação do corpo e elementos da natureza)



Van Der Weydwn: A descida da cruz


Se nessa obra observamos a dualidade entre o tema religioso e a técnica secular, em Botticelli, por exemplo, a temática se volta aos tempos de glória do Império Romano da Idade Antiga. Os problemas causados pelo paradigma imposto pela Igreja Católica foram absorvidos pelos artistas e intelectuais da época. Juntamente com os trabalhos historiográficos que começaram a entrar em uma ascenção, essas pessoas buscavam uma renovação que partia do pressuposto da retomada do apogeu do modelo de progresso romano, o que levou a uma gigantesca revolução cultural iniciada nas cidades italianas. Mas não era apenas uma volta ao passado, era um reavivamento dos valores antigos adaptados às necessidades do mundo contemporâneo. A nova classe média necessitava de status social e o fez pelo patrocínio das artes e produções intelectuais. A Primavera de Botticelli, encomendada pela família Médici, ilustra muito bem essa mudança vivida na virada do século XV para o XVI: uma obra de arte encomendada por uma família burguesa, com temática pagã representando deuses do panteão greco-romano, e técnica de representação da natureza em conformidade com os padrões mais avançados da época.


A Primavera (Sandro Botticelli)


Se A Primavera de Botticelli representa a retomada dos valores antigos por meio da mitologia, uma obra se destaca pelo simbolismo implícito na temática. Por encomenda do Vaticano, o também italiano Rafael pintou um de seus afrescos mais conhecidos: A Escola de Atenas. O fato de a própria Igreja ter encomendado o afresco com tal tema, mostra a nova inclinação teológica que buscava uma conformidade com os novos paradigmas culturais emergentes. Na pintura de Rafael são representados vários filósofos da Antiguidade: Platão, Aristóteles, Sócrates, Pitágoras, Euclides, Parmênides e muitos outros.



A Escola de Atenas (Rafael)



Os simbolismos estão em todas as partes: no centro, os gestos de Platão e Aristóteles representam as divergências em suas filosofias (Platão aponta para o alto, simbolizando o retorno ao mundo das ideias, e Aristóteles aponta para o mundo natural); os pitagóricos, estudiosos das leis da acústica estão alinhados com a estátua de Apolo, deus das musas (música); os geômetras - como o arquiteto  renascentista Bramante -  estão reunidos entorno da figura de Euclides (ou Arquimedes) e alinhados à estátua da deusa grega Atenas ou deusa romana Minerva, deusas da razão.

O afresco representa de forma emblemática a revolução cultural que se passava na época, o que acabou por fundamentar de vez as bases da civilização ocidental. Se a obra foi encomendada pela máxima instituição religiosa, sua temática revela uma investida pela apropriação da razão como base para a fé. Porém, o caminho tomado pelos movimentos intelectuais - arte inclusa, já que agora os artistas instituíram eles mesmos a pintura como ciência - não tinha mais volta. Estava instituída a era da razão, estava instituída a Idade Moderna.



Referências:
ABRIL. Bosch/Coleção Grandes Mestres. São Paulo: Abril, 2011.
ABRIL. Botticelli/Coleção Grandes Mestres. São Paulo: Abril, 2011.
GOMBRICH, E.H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2013.
HAUSER, A. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
HISTÓRIA VIVA. O Tempo do Renascimento. São Paulo: Duetto Editorial, v. 1. n. 4, 2009.

Nenhum comentário:

Postar um comentário